Era uma manhã comum como outra qualquer. Tão comum como todas as manhãs sabem ser.
Como de costume, sempre atrasada, preparei-me para mais um dia de trabalho. Pensei em fazer daquele amanhecer comum com seu toque de delicadeza.
Decidi escutar jazz e colocar um novo som às imagens que cotidianamente passam aos meus olhos.
Passei para o meu mp3 um cd de jazz. Coloquei o fone e sai portão afora rumo ao desconhecido de mais um dia sem novidades, quiçá algum aborrecimento.
Aquela música foi penetrando toda a minha manhã. Mudando a formação das nuvens. Transformando a percepção das coisas. Como se aquela manhã comum fosse especial por ser uma manhã de jazz.
Já no ponto de ônibus, em frente ao meu colégio ginasial, os carros rodavam pela estrada ao som de música. Tudo tão singelo. Lá, ao longe, vem descendo tão maravilhosamente deselegante, meu antigo professor de História. Ele vinha cabisbaixo, com uma sacola de mercado numa mão, uma boina desajeitada na cabeça. Passos largos e curtos, que embalavam o balançar quase decadente daquele que foi um dos meus melhores professores.
Recordei em meus recortes de lembrança ginasial, os amigos de sala, as aulas e cópias desenfreadas e o rosto daquele professor, que tanto de sua vida, tanto da vida dos outros, tanto da vida do mundo, nos mostrou. E lá vinha ele cambaleante a atravessar a rua. Será que ele supunha que eu estive em sua sala há uns 15 anos? Será que ele supunha que fez a diferença, não digo que tenha sido uma diferença significativa, mas foi a diferença necessária em minha vida, para que eu me tornasse a pessoa que eu sou hoje. Todos de certa forma contribuem para a nossa evolução, para o nosso crescimento. Pouquinho, porém é uma válida contribuição.
Quanto será que nós, alunos, ou melhor, eu aluna, contribui para a vida daquele homem que agora atravessava a rua ao som do melhor jazz daquela manhã não tão comum. Nem eu saberei qual a minha contribuição. Nem ele saberá qual a sua contribuição. Sabemos que amanhecemos e seguimos assim, cabisbaixos e cambaleantes à vida.
O som do jazz transformou minha manhã. Talvez aquela música não me fizesse perceber os passos disritmados daquele homem em direção ao seu dia de trabalho, ao seu comum cotidiano. Quem sabe eu esteja completamente errada, e aquele tenha sido o dia em que ele voltara às pazes com sua esposa e naquela manhã, os beijos ardentes, foram os culpados pela sua cambaleante disritmia. Talvez aqueles fossem os passos dos que estavam nas nuvens.
Talvez.
Viva ao jazz e a loucura das manhãs nem um pouco comuns.
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